MAIS SAÚDE - Informações actualizadas - Trabalhos de investigação - Guias de saúde - Calendário de eventos
 

sábado, 17 de maio de 2008

FÍGADO E OBESIDADE



Susana Lopes



Na última década, assistiu-se ao desenvolvimento de uma nova epidemia nos EUA e Europa, denominada Obesidade. Considera-se obesidade quando o índice de massa corporal (IMC) ultrapassa os 30, e excesso de peso quando o IMC se situa entre os 25 e 30. Dados relativos à população americana revelaram um acréscimo de obesos de 14-16% em 1995, para 25% em 2005.



Também na Europa se verifica esta tendência, e os dados referentes à população portuguesa adulta demonstraram que 53% dos portugueses apresentam excesso de peso, valor superior no sexo masculino, em que 60% apresenta IMC superior a 25.


Apesar da sua banalização, a obesidade não deve ser considerada uma variante do normal, mas sim uma doença. São inúmeras as co-morbilidades associadas ao excesso de peso, atingindo vários órgãos e sistemas.


A influência da obesidade noutras patologias


A obesidade está implicada na patogénese da diabetes, hipertensão e dislipidemia, sendo pois um factor de risco cardiovascular relevante. Convém, no entanto, não reduzir a importância da obesidade ao risco cardiovascular acrescido e salientar que a gordura também causa doença noutros órgãos. Um deles é o fígado. Os hepatócitos são um dos locais preferenciais para a acumulação de gordura em excesso. O armazenamento da gordura no fígado leva ao desenvolvimento da esteatose hepática ou fígado gordo.


Em termos clínicos, os doentes não apresentam geralmente sintomas, e o diagnóstico é suspeitado na presença de alterações analíticas (aumento das transamínases) ou ecográficas. A ecografia permite detectar a esteatose hepática ao revelar um fígado difusamente mais claro e brilhante do que o rim. Com o incremento da obesidade verifica-se um aumento na incidência e prevalência do fígado gordo. Embora um número elevado destes indivíduos nunca venha a desenvolver doença hepática significativa, sabe-se que alguns vão desenvolver doença mais agressiva, com inflamação hepática marcada (esteatohepatite) e progressão para cirrose e/ou carcinoma hepatocelular.


Esta evolução acontece porque a gordura hepática não é inofensiva, tornando o fígado mais vulnerável a outras agressões e diminuindo a sua capacidade de regeneração. Os ácidos gordos armazenados vão desencadear fenómenos inflamatórios cujo resultado final é a morte dos hepatócitos, a activação dos mecanismos fibrogénicos, com a deposição de colagéneo e a evolução para fibrose e cirrose. Sabe-se que os doentes com esteatohepatite apresentam uma doença progressiva, em que metade desenvolve fibrose e um terço evolui para cirrose. A biopsia hepática permite fazer o diagnóstico de esteatose hepática, distinguir entre esteatose e esteatohepatite, excluir outras causas de doença hepática e estabelecer o prognóstico com base no grau de fibrose existente.


Actualmente, o enfoque terapêutico centra-se no controlo do excesso de peso (quer seja por medidas dietéticas, farmacológicas ou cirúrgicas), já que se demonstrou uma diminuição da infiltração gorda hepática e melhoria das transamínases nos indivíduos que conseguiram emagrecer. Em termos farmacológicos, as tiazolidinedionas são fármacos promissores, aumentando a sensibilidade do tecido adiposo e do fígado à insulina e redistribuindo a gordura visceral para os depósitos lipídicos subcutâneos. Têm também uma actividade anti-inflamatória, e em ensaios clínicos demonstraram serem capazes de normalizar as transamínases e melhorarem significativamente as lesões histológicas.


Em resumo, a obesidade produz doença hepática que hoje se sabe não ser tão benigna como inicialmente se presumia, podendo evoluir para doença hepática terminal. Em termos terapêuticos, não existe tratamento específico, e as principais medidas direccionam-se para a mudança do estilo de vida e tratamento da obesidade. Farmacologicamente, o enfoque dirige-se para fármacos capazes de aumentar a sensibilidade à insulina, embora inúmeros agentes de diversas classes já tenham sido utilizados com resultados por vezes contraditórios.


Susana Lopes


Assistente Hospitalar de Gastrenterologia


H. S. Marcos, Braga





Fonte: Jornal do Centro de Saúde