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domingo, 14 de junho de 2009

A LUZ APAGA-SE E ACENDE-SE O MEDO




Cláudia Pinto



É quando a luz se apaga que a criança "acende" o seu medo do escuro. Nunca deve menosprezar esta "mania" do seu filho. Não é fingimento. É mesmo algo que deve ser levado muito a sério, embora com bom-senso.






Os fantasmas, os bichos debaixo da cama, os monstros e os filmes de terror surgem com o aparecimento da escuridão. É nesta altura que os miúdos se transformam em autênticos "realizadores de filmes de terror" e começam a sofrer com este medo.





A pedopsiquiatra Ana Vasconcelos ajuda-o a perceber melhor este sentimento que surge "quando a criança fica sozinha consigo mesma".





O drama repete-se todas as noites. O Tiago tem seis anos e arranja todos os motivos para adiar a hora de ir para a cama. Nem as sucessivas chamadas de atenção da mãe são suficientes para o convencer.





Atrasa os trabalhos de casa, demora a jantar, leva muito tempo para escovar os dentes... Tudo serve de motivo para ir dormir cada vez mais tarde.





O Tiago, como tantas outras crianças, sofre de medo do escuro. "Todos nós, em determinada altura da nossa infância, tivemos medo do escuro ou pedimos aos nossos pais para deixar a luz do corredor ou do quarto acesa", afirma Ana Vasconcelos, pedopsiquiatra e Presidente da Sociedade Portuguesa de Psicoterapia Psicanalítica. O medo do escuro deve ser encarado com "bom-senso".





É normal que o seu filho se queixe desta inquietação. "A criança sente este medo quando fica sozinha consigo mesma. Isto significa que vai ficar só, sem a televisão a encher-lhe a cabeça de imagens".





As crianças que se sentem inquietas com a escuridão "são aquelas que mais filmes fazem na sua cabeça e que têm uma enorme imaginação visual". Quando a luz se apaga, o "aparelho psíquico das imagens que vêm do exterior é desocupado".





É nesta altura que as crianças "se vão ocupar com imagens que vêm do seu interior". Apesar da noite ser boa conselheira, pode também trazer à tona as preocupações do dia-a-dia.





Todos nós já passámos por momentos destes ou já sofremos terríveis insónias por estarmos demasiado ocupados com os nossos problemas. "Os nossos filmes interiores são, geralmente, muito angustiantes. Os miúdos transformam-se em autênticos realizadores de filmes de terror".



O medo do escuro surge normalmente "quando a criança consegue fazer representações mentais com imagens", o que equivale ao primeiro ano e meio de idade. Não há uma idade específica para que este medo desapareça e até "é muito comum que o medo do escuro se prolongue durante a vida adulta.



É por isso normal que, muitos idosos prefiram estar acompanhados do som da televisão, mesmo que não estejam atentos à mesma".



"Terrores sem nome"





É frequente aparecerem crianças nas consultas da pedopsiquiatra Ana Vasconcelos com "terrores sem nome. Estes são os tipos de medo mais graves". Durante a noite, este sentimento é agudizado. "É antes de adormecer que vamos organizar os momentos mais complicados do dia, através das várias fases do sono que estão já muito bem caracterizadas".





Os miúdos que se queixam de medo do escuro acordam regularmente muito cansados, "tipicamente rabugentos" porque as suas fases do sono "estão extremamente diminuídas. O seu sono não é organizador mas desgastante". O terror nocturno não é o mesmo que o típico pesadelo.






"Este tipo de terrores surge quando a criança acorda completamente em pânico, não reconhece ninguém e fica numa situação em que está semiacordada e semiadormecida. O pesadelo é diferente pois é associado a imagens bem definidas". Este tipo de angústia vai fazer com que as crianças adiem cada vez mais a hora de ir dormir.





"São aqueles miúdos que se deitam muito tarde e que arranjam muitas coisas para fazer para adiar o momento em que têm de se deitar porque isso será muito angustiante para eles", diz-nos Ana Vasconcelos. Por outro lado, actualmente, são muitas as crianças que adormecem a ver televisão, como forma de "ocupar a sua mente com imagens".









Angústia da separação





É também quando a luz se apaga que as crianças se separam dos pais. Pela primeira vez, durante o dia, a criança fica entregue a si mesma. "A angústia da separação é normalíssima no ser humano. Surge quando a criança já reconhece na sua memória a mãe e, por algum motivo, ela lhe falta".



Ana Vasconcelos é da opinião que devem ser criados ritmos para que os filhos percebam que os pais estão temporariamente ausentes mas irão regressar ao fim da tarde.





"Os miúdos que desenvolvem medo do escuro, muitas vezes, são filhos de pais que têm ritmos de vida alucinantes e que não vão buscar as crianças à escola à mesma hora.





Não há rotina nem ritmos instalados". Tal facto pode ser simplesmente modificado se os pais se habituarem a telefonar para a escola a informar que irão chegar mais tarde.





"Esses miúdos vêem sempre os pais na mão do exterior. Se o pai ou a mãe telefonarem a avisar que vão chegar mais tarde, a criança fica logo muito mais tranquila", diz-nos a pedopsiquiatra. A angústia da separação pode surgir também na puberdade ou na adolescência.



Quando deve procurar um especialista?





O bom-senso é a palavra de ordem para lidar com estes casos. É normal que as crianças tenham medo do escuro. No entanto, a partir do momento "em que a criança fica nas mãos daquele medo e deixe de ser ela própria, os pais devem começar a preocupar-se".





Nos primeiros dias, "podem tentar adormecer a criança para que ela se sinta mais segura. Se passarem duas a três noites sem conseguirem com que durma no seu quarto, devem procurar a ajuda do pediatra para se aconselharem". Posteriormente, se o pediatra considerar que se justifica, a criança pode ser encaminhada para outro especialista.





Para Ana Vasconcelos, "também pode ajudar ter uma luz pequena de presença no quarto ou deixar a luz do corredor acesa". O essencial "é ajudar a criança a ultrapassar aquele momento de fragilidade sem a rigidez de alguns pais que ainda podem deixar a criança mais aflita". Tranquilidade recomenda-se.





Interessa saber "qual foi a situação do dia que despoletou este medo". Os pais não devem esquecer que "são eles os que melhor conhecem aquela criança", conclui Ana Vasconcelos.







Fonte: Jornal do Centro de Saúde