Até aos anos 70, a doença bipolar na infância e na adolescência era algo quase inimaginável, por se considerar que os sintomas que a criança manifestava eram próprios da idade. Hoje em dia, sabe-se que esta patologia psiquiátrica pode também afectar as camadas etárias mais jovens.
A doença bipolar na criança surge, normalmente, após a puberdade, após os 11 ou 12 anos, embora haja registos de casos pré-púberes. Segundo alguns estudos, a doença bipolar tem uma componente genética, pelo que "as crianças com parentes de primeiro grau são potenciais candidatos ao desenvolvimento da doença". Estes jovens manifestam alterações de humor, que varia entre a mania (elação do humor) e a depressão.
"O diagnóstico na criança é dificultado pela duração e variação dos episódios, já que, regra geral, não duram os sete dias que são necessário para se determinar um episódio de mania", explica a Dr.ª Paula Correia, pedopsiquiatra do Centro Hospital da Cova da Beira, na Covilhã.
Como a criança pequena não consegue transmitir através da linguagem verbal o que está a acontecer dentro de si, "é difícil para os outros (família e grupo de pares) entenderem o que se está a passar". E isto decorre do facto de haver uma "inconstância do humor", que alterna entre a euforia e a tristeza. Uma criança que sofre de uma doença bipolar pode, inclusive, manifestar sentimentos "megalómanos" face à realidade envolvente num momento, mas, passado algum tempo, sentir-se inferiorizada.
Na maioria dos casos a hiperactividade é um sinal muito frequente. Mas, segundo a pedopsiquiatra, têm de estar presentes outros sintomas como: "a grandiosidade, a fuga de ideias, a elação do humor". Com base nestes elementos consegue-se traçar um diagnóstico "preciso e longitudinal", que é efectuado ao longo do tempo. "É necessário ter em atenção a mudança de comportamento da criança e as alterações no estado mental", esclarece.
Já na adolescência, embora os sintomas sejam semelhantes aos da criança, com a diferença que têm um prolongamento maior no tempo, "há, ainda, o risco de tentativa de suicídio". Para evitar estas situações, para além da terapêutica farmacológica, que consiste na prescrição de estabilizadores de humor, "tem de haver um apoio psicológico dos jovens e da família".
Lidar com a doença
Para a especialista, a família é um ponto de suporte do doente bipolar. "Tem de haver uma retaguarda e uma capacidade de os elementos familiares se unirem", fundamenta a pedopsiquiatra. Embora não "haja fórmulas mágicas" para se agir com uma criança bipolar, "os progenitores devem entender as dimensões da doença".
Esta patologia, em certos casos, pode interferir com o rendimento escolar. Mas, de acordo com Paula Correia, tudo depende da "instabilidade emocional e dos períodos livres de doença". Contudo, cada caso é um caso e não há duas crianças iguais, mesmo aquelas que sofrem de uma doença bipolar.
Se houver períodos isentos de crises, a escola e os colegas podem nem se aperceber de que existe um problema". Apesar das variações de humor, em casos extremos de degradação do estado de saúde, como existência de psicose (delírios ou alucinações como ouvir vozes, ver pessoas que não existem) ou risco suicida, equaciona-se a hipótese de internamento hospitalar.
Capricho da idade?
Apesar de manifestarem alguns comportamentos mais agressivos ou desordeiros, as crises das crianças bipolares não são caprichos da idade. Quem o garante é Dr.ª Ana Isabel Bastos, psicóloga da Associação de Apoio a Doentes Depressivos e Bipolares. Aliás, como garante a terapeuta, acima de tudo, os pais e os familiares mais próximos devem estar do lado da criança, de modo a conseguir explicar-lhe tudo o que se passa dentro de si e à sua volta.
"A intervenção clínica dos profissionais visa chegar até à criança e explicar-lhe o que é a doença. Isto acontece com recurso a jogos, a brincadeira, o jogo, para entendermos o que lhe vai na alma, porque a compreensão de uma criança é diferente de um adulto. E na infância ainda não estão adquiridas todas as competências de linguagem que lhe permitam expressar os sentimentos", assegura a psicóloga.
Dado que a criança passa grande parte do seu tempo na escola, a associação é convidada, em alguns casos, a deslocar-se às instituições de ensino, a fim de os profissionais darem formação aos professores. "Quando os docentes entendem os sintomas conseguem ser mais assertivos no tratamento com o aluno. Quando há um desconhecimento da doença, há uma tendência para catalogar de mal-educada, malcriada e que não respeita a autoridade."
O adolescente, comparativamente à criança, já consegue interrogar os profissionais sobre as suas dúvidas relativamente à doença e à toma da medicação. E, embora sofram de uma desordem bipolar, a psicóloga indica que a doença não lhes retira as crises típicas da idade, até porque "estes comportamentos de rebeldia fazem parte do desenvolvimento normal". Para Ana Isabel Bastos, acima de tudo, um comportamento própria da adolescência distingue-se da perturbação bipolar pela duração e intensidade dos sintomas. "
Compreender a doença
A partir do momento em que há um acompanhamento psicológico e médico, a medicação consegue fazer com que a criança tenha um comportamento mais estável. E esta situação, de acordo com Ana Isabel Bastos, vai permitir que os pais consigam lidar melhor com os sintomas da doença.
Para mais informações, contacte:
Associação de Apoio a Doentes Depressivos e Bipolares
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Fonte: Jornal do Centro de Saúde