O hospital continua sob o signo da mudança. Nova equipa, novo rumo à 'casa'. Depois da insatisfação de alguns médicos que foram dispensados da chefia dos serviços, é a vez dos enfermeiros. A classe, pela voz do presidente do Sindicato, fala de "descontentamento" em relação ao novo regulamento interno, porque "aponta para uma 'sectorização' na prestação dos cuidados de saúde".
Juan Carvalho esperava mais da equipa que gere a saúde (SESARAM), no sentido de colocar lado a lado os dois grupos profissionais - médicos e enfermeiros - que são mais decisivos nos cuidados ao doente. Mas a recente reunião com o presidente do conselho de administração trouxe "desilusão" aos profissionais de enfermagem, porque o projecto de regulamento interno indicia uma secundarização dos enfermeiros na gestão hospitalar, ficando a classe debaixo da alçada dos médicos.
"Contra (indi)gestão..."
A questão é séria e vai ser debatida hoje numa reunião entre o Sindicato dos Enfermeiros da RAM e os seus associados, aliás divulgada em anúncio no DIÁRIO, com uma ordem de trabalhos que se resume à "proposta de regulamento interno da SESARAM". Não deixa de ser também curiosa a forma como os associados são mobilizados para a reunião de hoje, com os seguintes apelos: "É importante a mobilização dos enfermeiros à volta deste documento. A gestão dos cuidados de saúde também engloba os cuidados de enfermagem. Contra a (indi)gestão na enfermagem".
Já a Ordem dos Enfermeiros prefere esperar para ver, embora apele à participação dos colegas na reunião do Sindicato. Élvio Jesus quer esperar até ver homologado o texto final do regulamento, mas não deixa de criticar o facto de "se manter um 'medicocentrismo' no novo regulamento, isto é, os enfermeiros ficam sem lugar de gestão nos departamentos hospitalares" (vide destaque na página).
Quem não compreende este descontentamento é o presidente do conselho de administração. Almada Cardoso deixa bem claro que, "no regulamento, estão sempre salvaguardadas a autonomia e a idoneidade técnica da enfermagem." Mas não só. Almada Cardoso explica que a classe continua a contar com "um enfermeiro-director, que está ao mesmo nível do director clínico (para a área médica), que por seu turno coordena os enfermeiros supervisores e chefes de enfermagem".
O responsável máximo pela gestão hospitalar sublinha que a sua equipa não veio "inovar nada. Todas as competências e carreiras de enfermagem estão devidamente consagradas, em respeito até pelas leis gerais do País. Não se pode sequer pensar que um regulamento interno se sobrepõe às leis gerais que regulam a enfermagem, aliás em fase de revisão a nível nacional." Mas a serenidade e o optimismo de Almada Cardoso não chegam para sossegar o pessoal da enfermagem que quer saber onde e como está explicitamente consagrada a presença dos enfermeiros nos órgãos de gestão da SESARAM.
O presidente do Sindicato começa por explicar ao DIÁRIO que há um projecto de regulamento interno que aponta no sentido de uma nova organização do serviço regional de saúde em departamentos, serviços e unidades funcionais. O regulamento anterior previa a implementação dos centros de responsabilidade, ideia que não vingou e foi substituída agora pela departamentação ao nível dos cuidados de saúde primários, desta feita com a designação de agrupamento de centros de saúde.
O representante sindical coloca a "questão central" nestes termos: "Seja departamento ou grupos de centros de saúde a criar, não se pode gizar uma organização dos cuidados de saúde sem ter em conta os dois grupos profissionais mais influentes: os médicos e os enfermeiros." Juan Carvalho diz mesmo que "nunca se deverá cair na tentação de 'sectorizar', isto é, ter à frente dos departamentos de saúde só médicos, mas sim médicos e enfermeiros, lado a lado." O sindicalista vai mais longe e avisa que privilegiar só os médicos na liderança "não é funcional para o sistema e criam-se ambientes instáveis que não estão em condições de dar as melhores respostas".
No entanto, Juan Carvalho confessa que a nova orgânica que vai ser implementada contraria os princípios mencionados. A pedido do Sindicato, já houve audiência com o conselho de administração e as perspectivas não são boas. O dirigente sindical explica-se: "Esta nova orgânica que se quer implementar é que nos desilude, porque está desfasada daquela que é hoje a organização recomendável dos cuidados de saúde. O regulamento interno aponta para a departamentação dos médicos e não é nada claro nas atribuições que reserva aos enfermeiros, o que é um risco com consequências incalculáveis porque não vai favorecer a melhoria dos cuidados de saúde." Os enfermeiros reúnem hoje para conhecer as propostas do regulamento interno e acertar a estratégia. Para já, o clima é de "descontentamento".
'Medicocentrismo'
O presidente da Ordem dos Enfermeiros na Região espera para ver. Élvio Jesus quer pronunciar-se definitivamente após a promulgação do regulamento. No entanto, explica que a Ordem já reuniu com o secretário regional dos Assuntos Sociais e com o conselho de administração da SESARAM. "Foi-nos garantido que a autonomia da gestão e da prestação dos cuidados de enfermagem estava assegurada. Esta garantia foi-nos dada em audiência formal e como estamos perante pessoas de boa fé, não há razões para duvidar".
Mas Élvio Jesus admite que "há outras normas no regulamento que não são aceitáveis", nomeadamente aquilo que designa de 'medicocentrismo'. Explicitando melhor: "Continua, no novo texto, o chamado 'medicocentrismo', isto é, tudo demasiado centrado na função do médico, e não houve garantias de que isto seria alterado. Resta esperar pela versão final".
Na prática, a SESARAM garante, ao nível da gestão dos centros de saúde, a presença dos enfermeiros na figura do adjunto do director. Uma mudança que não é a ideal mas aceitável. O problema é a gestão hospitalar, na qual os enfermeiros se sentem excluídos ou sem participação.
Fonte: Diário de Notícias