Andreia Pereira
Diz quem já passou pela experiência que não há dor maior do que a do parto. Mas dar à luz não tem, necessariamente, de ser ritual penoso, contrariamente ao que se valorizava há umas décadas. Com a aplicação da analgesia epidural, tudo mudou. Acabaram-se as horas de desespero e passou a ser possível desfrutar integralmente do momento... com menos "ais".
Um estudo publicado no British Journal of Anaesthesia apresenta informações animadoras para quem está em vias de dar à luz: a analgesia epidural é praticamente isenta de riscos, quando aplicada correctamente. Segundo os dados revelados, apenas uma em cada 80 mil grávidas a quem foi administrada a epidural, poderá apresentar complicações durante ou após o parto. Com base nestes números, estima-se que, num total de 100 mil partos que se realizam anualmente em Portugal, se todas as parturientes recebessem analgesia epidural, ocorreriam 1,2 casos/ano com alguma complicação derivada da técnica.
"A analgesia epidural deve ser estimulada, porque nenhuma mulher merece ter dores durante o trabalho de parto", defende o Prof. Luís Mendes da Graça, director do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Para este especialista, a analgesia epidural constitui um dos três grandes avanços das últimas duas décadas, paralelamente à ecografia, e ao acompanhamento médico da grávida durante o período de gestação e o parto.
No nosso país, esta técnica foi implementada nos hospitais públicos no início da década de 90. E, desde então, o número de mulheres apologistas do parto sem dor tem crescido exponencialmente. Só no Hospital de Santa Maria, 80 por cento dos partos que se realizam anualmente "são analgesiados". Mas em hospitais privados, refere o obstetra, a taxa de epidurais administradas "chega quase a atingir os 100 por cento".
Para Luís Mendes da Graça, a ideia "romântica" do parto sofrido tem de passar à história. "Estamos no século XXI e não podemos aceitar que os procedimentos médicos sejam comparáveis a países de Terceiro Mundo." Há, no entanto, "algumas franjas" populacionais que ainda oferecem resistência à epidural. Mas, para o especialista, trata-se de "uma esmagadora minoria que ainda pretende ter uma falsa visão poética e bucólica da vida", porque, na globalidade, a preferência das mulheres recai sobre a epidural.
Menos dor, mais tranquilidade
Segundo o obstetra, as técnicas para minorar a intensidade da dor durante o parto em nada deturpam a noção de parto natural. "Continua a ser um parto desencadeado espontaneamente e que, em princípio, se dará por via vaginal." Afinal de contas, a epidural - aplicada por um anestesiologista treinado para o efeito - não é mais do que uma injecção no espaço epidural (exterior à bainha que envolve a medula espinhal) para eliminar as dores das contracções.
Este método farmacológico, administrado na região lombar, "bloqueia a transmissão dos impulsos nervosos e, desde modo, anula as dores das contracções", explica este especialista. "A epidural bem feita retira a sensação dolorosa, permitindo, simultaneamente, que a mulher mantenha sensibilidade e os reflexos automáticos de expulsão", reitera o Dr. Costa Martins, director do Serviço de Anestesiologia da Maternidade Alfredo da Costa (MAC). O mesmo especialista salvaguarda, no entanto, que, embora a epidural ajude, "a dor do parto é variável de mulher para mulher".
Mas, por mais tabus que ainda possam existir, Luís Mendes da Graça garante que "esta técnica praticamente não comporta qualquer risco materno-perinatal". Antes pelo contrário. "A epidural oferece mais tranquilidade à mulher, porque não sente dores. Do ponto de vista clínico, as manobras obstétricas estão mais facilitadas se o feto mostrar sinais de sofrimento agudo. Havendo a necessidade de realizar uma cesariana de emergência, será escusado administrar uma anestesia geral, se tiver sido aplicada uma epidural."
O anestesiologista Costa Martins comunga da mesma opinião e indica que, apesar de não haver risco zero, "os benefícios materno-infantis da epidural compensam os escassos riscos controlados da técnica". Para além de proporcionar um maior conforto físico para a mãe - "a dor e a ansiedade são desfavoráveis no decurso do parto" - a analgesia promove a serenidade da parturiente. "Este estado de espírito favorece o estabelecimento de uma maior proximidade entre a mãe e o bebé logo após o parto."
Segundo Costa Martins, apesar dos escassos riscos que possam derivar da aplicação da epidural, esta técnica "é usada para favorecer o parto e não o inverso". Existem, porém, situações que obrigam à ajuda da expulsão do bebé com a aplicação de fórceps ou ventosa, tal como no parto não analgesiado. Mas o anestesiologista defende que, no geral, "a epidural até pode ajudar a resolver situações de distócias dinâmicas [anomalias da contractilidade uterina]", já que a raiz destes problemas, por vezes, é a ansiedade e a dor. "A introdução desta técnica permite (até) que as mulheres possam dialogar tranquilamente com a equipa médica e de enfermagem. Sendo este o acto maior da vida, deve ser vivenciado com prazer e não com dor e gritos", comenta Luís Mendes da Graça
Antes de receber epidural, as mulheres são consultadas. "Nada é feito contra a vontade da parturiente", indica o obstetra. Por se tratar de uma técnica invasiva, a aplicação da analgesia obriga que, após esclarecimento, seja assinado pela parturiente um termo de consentimento informado. Logo que haja uma autorização expressa, a epidural "é administrada a partir do momento em que a intensidade das contracções é suficientemente forte para provocar dores e desconforto".
Quando não administrar a epidural?
Mesmo que a mulher opte por um parto analgesiado, há situações de excepção que impedem a administração da epidural. "Casos em que se verifique uma infecção local ou geral, alterações da coagulação ou malformações da estruturas" não têm indicação para a analgesia epidural, assegura Costa Martins.
Tratando-se de mulheres com tatuagens que cubram por completo a região lombar, o acesso à epidural também pode ser vedado. Para o anestesiologista, "a epidural não deve ser administrada na zona da tatuagem", uma vez que em causa podem estar produtos tóxicos para o Sistema Nervoso Central. Segundo o mesmo especialista, "existem estudos que demonstram ser necessário considerar uma área de segurança de alguns milímetros para além dos limites do desenho".
Dor nas costas pós-parto
Haverá uma relação de causa/efeito entre as dores nas costas e a aplicação da epidural no pós-parto? Para Costa Martins, "é pouco provável que as dores lombares tenham origem na analgesia". O crescimento do ventre materno obriga a uma distorção da coluna, para favorecer o equilíbrio da grávida na posição erecta. "Após o esvaziamento uterino, a coluna sofre um reposicionamento e esta restituição inicial da posição pode provocar dor lombar no pós-parto", resume o especialista.
Fonte: Jornal do Centro de Saúde