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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

SÍNDROME DE MUNCHAUSEN: DESESPERADOS POR ATENÇÃO


Sintomas falsos, doenças a fingir, feridas auto--infligidas - é assim que se comportam as pessoas que sofrem de síndrome de Munchausen, uma doença mental rara mas grave alimentada por uma necessidade desesperada de... atenção.

Imagine-se uma pessoa com um repertório de histórias verdadeiramente dramáticas acerca dos seus problemas de saúde mas que, apesar disso, apresenta sintomas muito vagos e inconsistentes ou que se agravam sem razão aparente.

Imagine-se uma pessoa que pressiona os médicos para se submeter aos exames mais rigorosos e aos procedimentos cirúrgicos mais arriscados ou que os pressiona para lhe prescreverem constantemente analgésicos e outros medicamentos, revelando grande conhecimento da terminologia médica. Uma pessoa que procura tratamento junto de diferentes profissionais e unidades de saúde, com frequentes hospitalizações mas poucas ou nenhumas visitas e que se mostra relutante quando os profissionais de saúde tentam falar com a família ou os amigos.

Essa pessoa pode sofrer de síndrome de Munchausen, uma doença mental rara mas grave reconhecida há séculos mas que permanece um mistério, difícil de diagnosticar e de tratar.

O quadro descrito enquadra os principais sintomas desta síndrome que pertence ao grupo de doenças inventadas ou auto-infligidas. E, na verdade, o que acontece é que os doentes fingem ou provocam doenças em si próprios, muitas vezes pondo a vida em perigo. Fazem-no movidos por uma profunda necessidade de atenção, alimentando essa fome emocional com estratégias que adiam, ou até evitam, que a falsa doença seja descoberta.


Não se trata de hipocondria, situação em que as pessoas acreditam mesmo que estão doentes, embora não o estejam.

Quem sofre de Munchausen sabe que não está doente, mas quer estar. E o comportamento que desenvolvem é compulsivo, envolvendo-os numa espiral de idas ao médico, medicamentos, análises e hospitalizações.

Não se conhece a causa desta síndrome, mas estão identificados factores que podem contribuir para o seu desenvolvimento: trauma na infância, nomeadamente abuso emocional, físico ou sexual; baixo sentido de identidade ou de auto-estima; perda de uma pessoa próxima devido a doença ou abandono; desejo não concretizado de ser profissional de saúde; desordens de personalidade, entre outros.

O que se sabe é que estas pessoas têm necessidades emocionais tão profundas que arriscam a própria vida para serem consideradas doentes e tratadas como tal, recebendo assim a atenção de profissionais de saúde, amigos e familiares.

O que fazem é fingir sintomas ou exacerbar condições já existentes, por exemplo abrindo uma ferida em vias de cicatrização.

O que fazem também é manipular análises clínicas, por exemplo juntando sangue ou outra substância a amostras de urina. Quando medicadas, quer em ambulatório quer em internamento, são capazes de trocar medicamentos ou deixar de os tomar só para adiar a "cura".

E para ganharem o estatuto de doentes têm a capacidade de se envolver em discussões perfeitamente fundamentadas com os profissionais de saúde, argumentando e contra-argumentando com um inesperado conhecimento de causa.

São bastante plausíveis e, por estranho que possa parecer, não é fácil desmascarar estes falsos doentes. São convincentes ao ponto de iludirem médicos atrás de médicos. Daí que seja extremamente difícil diagnosticar esta síndrome.

Tal como é difícil tratá-la: afinal, as pessoas que dela sofrem querem ser vistas como doentes, pelo que resistem a procurar ou aceitar tratamento.

Crianças, vítimas por procuração

Nem sempre a necessidade desesperada de atenção é somatizada na própria pessoa: casos há em que é transferida, quase sempre para uma criança, com esta síndrome a converter-se numa grave forma de abuso infantil.

É a chamada síndrome de Munchausen por procuração: um cuidador, na esmagadora maioria das vezes a mãe, provoca deliberadamente problemas de saúde na criança ou convence outros de que a criança está muito doente, fingindo ou exagerando sintomas.

Como resultado desta atitude, os médicos acabam por pedir análises, receitar medicamentos e até hospitalizar a criança.

O abusador acaba por receber atenção dos profissionais de saúde que contactam com a criança. E, como se comporta de uma forma carinhosa, ninguém suspeita de que algo está errado. Além do mais, revela uma habilidade surpreendente para manipular médicos, pelo que a inconsistência dos sintomas e das histórias acaba por ser negligenciada.

Este comportamento do progenitor prolonga-se no tempo, envolvendo, por um lado, a fabricação dos sintomas (causando-os mesmo ou inventando-os) e, por outro, a manipulação do tratamento, de modo a adiar a "cura". A criança assim maltratada está permanentemente "doente".

E só "melhora" quando está separada do abusador. São muitas e profundas as consequências deste tipo de abuso infantil. Antes de mais, a criança é sujeita a exames médicos desnecessários, toma medicamentos desnecessários, é hospitalizada sem razão e, no extremo, submetida a cirurgias de que não precisa. Fisicamente, este é, pois, um processo muito invasivo e fonte de sofrimento.

Mas, quando a criança já tem idade para perceber o que se passa, os danos psicológicos são acentuados: ela pode sentir que apenas é amada quando está doente e, por isso, "alinhar" com o progenitor, ao ponto de se ferir a ela própria para continuar a receber atenção. É um ciclo perigoso, pois as crianças vítimas podem tornar-se adultos
abusadores.

A herança do barão

Esta síndrome recebeu o apelido Karl Friedrich Hieronymus von Munchausen, barão alemão que viveu no século 18 e que ficou para a história pelos seus relatos extraordinários. As fantásticas aventuras do barão terão envolvido viagens em bolas de canhão, idas à lua e uma incrível fuga de um pântano usando apenas...os próprios cabelos...

Os seus relatos serviram de base para a série "As aventuras do barão de Munchausen", publicadas em 1785. Dois séculos depois, deram origem a um filme com o mesmo nome, realizado por Terry Gillian e protagonizado por John Neville.


Fonte: FARMÁCIA SAÚDE - ANF