
A acusação do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do MP do Porto, ao que sabe o JN, imputa ao clínico - ligado ao serviço de reumatologia daquele hospital - a responsabilidade de ter deixado prosseguir o ensaio clínico, apesar de os efeitos do medicamento na doente presumivelmente aconselharem o fim imediato da experiência. É que análises efectuadas à paciente, em Outubro de 2003, indicaram sintomas de insuficiência renal, mercê de valores tidos como anormais de creatinina, proteína C e ureia.
Segundo o MP, face ao mal-estar da doente, de nome Felícia Moreira e residente em Guimarães, o médico não terá valorizado convenientemente os resultados das análises e apenas terá diagnosticado uma infecção urinária. Ainda assim, foi adiada em cerca de um mês a administração da última dose do medicamento.
Antes da última toma, a paciente - uma de várias pessoas que aceitaram submeter-se à experiência - queixara-se ao médico em causa de que, após algum tempo de melhorias no seu estado de saúde, passou a sentir Cansaço + , sintomas de gripe e dores numa das pernas. Na altura das queixas, Outubro de 2003, os valores das análises já estariam alterados.
A última dose
Naquela data, tomou os medicamentos aconselhados pelo médico do Hospital São João + , só que o mal-estar não desapareceu. E chegou a recorrer a estabelecimentos de saúde em Guimarães, que lhe receitaram outras especialidades farmacêuticas.
Porém, no final de Novembro de 2003, Felícia continuava a sentir-se mal mas, mesmo assim, tomou a última dose do medicamento experimental contra a artrite reumatóide no início de Dezembro daquele ano. Passadas duas semanas teve de ser internada de urgência no Hospital de Guimarães, tendo sido depois transferida para o Hospital de São João. Viria a falecer a 20 de Fevereiro, após uma operação. A autópsia atribuiu a causa da morte à falência de vários órgãos, hemorragias e a uma infecção generalizada do organismo.
Durante a investigação, o DIAP do MP do Porto constituiu arguidas mais quatro pessoas. Dois responsáveis do Laboratório Abbott + e duas médicas do Hospital de São João. Todavia, o caso foi arquivado para todos eles, já que a justificação da morte foi atribuída à circunstância de a experiência não ter sido interrompida a tempo pelo principal médico.
O melhor serviço do país
O sector de tratamento de doenças músculo-esqueléticas (entre as quais se inclui a artrite-reumatóide, no serviço de Reumatologia + ) do Hospital de São João foi considerado no último ano o melhor do país, num estudo da responsabilidade da Escola Nacional de Saúde Pública + , recentemente publicado na revista "Sábado".
O que é a artrite?
A artrite reumatóide é uma doença crónica de causa desconhecida mas que se manifesta na inflamação exagerada das articulações, em especial de mãos, punhos, cotovelos, joelhos e pés. Pode gerar graves dificuldades ou até incapacidade de locomoção.
Até cinco anos de prisão
O homicídio por negligência grosseira é punido com multa ou até cinco anos de prisão. Em caso de homicídio por negligência simples, a pena apenas vai até três anos. O médico acusado pode requerer abertura de instrução, defendendo a inexistência de indícios de crime para ir a julgamento ou alterar a qualificação jurídica para um crime menos grave.
Inspecção investiga
Um relatório preliminar da Inspecção-Geral de Saúde (IGS) indica que a morte se deveu a uma infecção generalizada que não terá sido devidamente avaliada no decorrer do ensaio clínico. O MP enviou para a IGS o documento da acusação, com vista ao relatório final.
Fonte: Jornal de Notícias