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sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

BEBER VINHO À REFEIÇÃO NÃO É ESTAR DEPENDENTE DE ÁLCOOL

Tratar, profissionalmente, ou suportar no quadro familiar uma pessoa com dependência de álcool é um fardo muito pesado para os profissionais de saúde porque estas desgraçadas pessoas, homens e mulheres, muito novos na idade adulta ou idosos, apesar de serem tratados e acompanhados com os meios mais actuais de intervenção, poucas vezes se libertam da dependência do álcool, como aliás sucede com a dependência de outras drogas lícitas ou ilícitas.Mas também na família a existência de um membro com esta infeliz situação de estar dependente de álcool e se embriagar com frequência constitui uma via para grande sofrimento, para agressões e outras brutalidades, para violações sexuais e, algumas vezes, para homicídios. A imprensa dá-nos, no quotidiano, notícias da tragédia que é a dependência do álcool.

Dada a dimensão desta tragédia nacio­nal, compreende-se bem a «Alergia + » e o desconforto de muitas pessoas, com experiências fortemente negativas, quando ouvem falar de vinho, de consumo moderado desta nobre bebida e dos bene­fícios que tal consumo moderado pode trazer à saúde humana.

Para muitas destas pessoas, generosas e empenhadas em conseguir reduzir o abuso do consumo de álcool, aquele que começa a beber vinho, de forma mode­rada, às refeições, está no cimo de uma rampa escorregadia e só irá parar no fim dessa rampa, ou seja, na dependência do álcool com todo o seu cortejo de malefícios – pessoais, familiares e sociais.

Mas esta visão não é realista.

O primeiro ponto que tem de ser considerado é conhe­cer, com rigor, que tipo de bebidas com álcool começaram a usar os que se tornam dependentes e de quais dessas bebidas abusaram para conse­guirem um desejado, previamente, estado de embriaguez, e durante quanto tempo até ficarem dependentes. E, muito especialmente, que condições sociais, fami­liares, profissionais ou pessoais levaram essas pessoas a procurarem no álcool a solução de problemas – bebo para esque­cer, confessam algumas – por meio de pequenos períodos de embriaguez até à depen­dência, tantas vezes irreversível e fatal no curto prazo.

Os Centros de Alcoologia certamente que fazem nos seus doentes este estudo, que é absolutamente fundamental para a compreensão da dependência de álcool e bom seria que os seus resultados fossem publicados para se saber a verdade e se acabarem os mitos criados à volta do vício da embriaguez e da dependência de álcool.

É certo que há uma influência cultural que está relacionada com maior ou menor disponibilidade de bebidas com álcool; por isso os bêbados à porta dos pubs em Londres beberam apenas alguns litros de cerveja e em lugares mais selectos muitas doses de uísque; o mesmo direi de noruegueses e suecos. Mas, na Bretanha Francesa, um estudo muito cuidadoso descobriu que a alcooldependência estava ligada ao «Calvados», uma bebida muito alcoólica típica da região, apesar de o bom vinho francês poder ser facilmente obtido, nos bares e ao copo. A habitua­ção e a dependência das velhas senhoras inglesas estão ligadas, maioritariamente ao gin e aos Licores + de uísque ou obtidos por fermentação de frutos.

Em algumas regiões de Portugal, onde há taxas elevadas de alcoólicos depen­dentes, a dependência é alimentada com a aguardente. Na «noite» das cidades, e agora também das vilas, o que é oferecido aos frequentadores, são as bebidas alcoólicas clássicas de elevado teor alcoólico – uísque, gin, vodka – e produtos artificiais, coloridos, adocicados, com gradua­ções alcoólicas de 35 a 40 graus porque são estas bebidas que os frequentadores desejam, não para se divertirem mas para conseguirem, rapidamente, um grau de embriaguez moderado, a princípio, mas que acaba algumas vezes na Urgência Hospitalar onde os médicos se deparam com um coma alcoólico, às vezes, numa jovem de 15 anos, ou pouco mais.

Também seria útil que fosse feita uma investigação sobre estes casos para se saber que tipos de bebidas com álcool foram consumidos por aquela pessoa que chega ao hospital em tão grave estado.

E quando a Brigada de Trânsito da GNR apanha condutores com mais de 1,2 gramas de álcool no sangue devia constar, obrigatoriamente, do processo instaurado em que lugar bebeu, o que bebeu e em que quantidades. Seguramente que não foi em casa, com a sua família, bebendo moderadamente vinho à refeição antes de se fazer à estrada.

Beber vinho, moderadamente, às refeições não é estar dependente de álcool nem cons­titui uma iniciação num comportamento vicioso que conduzirá necessariamente ao abuso e à alcooldependência.

O vinho, à refeição, é um alimento com valor nutritivo e com uma qualidade à vista, ao olfacto e ao gosto que deve impor respeito e até alguma veneração.

É um produto equilibrado, aperfeiçoado ao longo de séculos, «fruto da videira e do trabalho do Homem», que não deve ser usado para provocar a embriaguez. O ál­cool, no vinho, está acompanhado por todos os outros componentes que a uva cedeu durante o precioso processo de vini­ficação, hoje já conhecido nos seus aspectos biológicos e químicos. Sendo certo que este bom conhecimento científico tem permitido mudar práticas tradicionais e produzir um vinho purificado de componentes prejudiciais à saúde e aumentando a quantidade dos componentes aos quais se pode, hoje, com base científica segura, atribuir um efeito benéfico para a saúde, particularmente das nossas Artéria + s como mostrarei num próximo artigo.

Beber vinho, moderadamente, às re­feições, é um acto cultural, é um gesto de distinção e é uma atitude saudável. Não é uma grosseria ou um perigo.

Não é o caminho para a perdição, a alcooldependência e a morte.

Todos os dias milhões de portugueses o fazem e fazem--no para o seu bem. Pessoas de todas as profissões, ao longo das suas vidas, usam vinho às refeições e bebem--no moderadamente, sem qualquer influência negativa no seu desempenho pessoal e profissional, na sua vida familiar, nas suas actividades sociais e, em muitos casos, com pesadas responsabilidades públicas.

São a imensa maioria.

Surge agora a questão: porquê o abuso que atinge, tragicamente, uma parte das pessoas que consomem bebidas com álcool?

Responderei a esta questão num próximo artigo.
Prof. Doutor Daniel Serrão
Fonte: Médicos de Portugal