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terça-feira, 8 de junho de 2010

GINÁSTICA MENTAL


Andreia Pereira

Até que ponto pode o exercício físico ajudar a estimular a mente? Estudos recentes demonstram que, para além de bíceps perfeitos, uma actividade física regular pode ajudar a melhorar a memória e facilitar os processos de aprendizagem.



A conhecida frase "Mente sã em corpo são", celebrizada pelo poeta romano Juvenal, que remonta aos primeiros séculos da época cristã, ganhou outra dimensão à luz dos conhecimentos trazidos a lume pela neurociência. Mas, muito embora a ciência dê passos largos na descoberta de novos dados, não se pode dizer que o "casamento" entre o corpo e a mente seja uma novidade dos tempos que correm. O conceito de "atleta-académico", surgido na Grécia Antiga, ilustra o grau de importância concedido à actividade física na manutenção de uma boa forma corporal e intelectual.



Mais recentemente, os estudos de comportamento animal, - apesar de não demonstrarem dados completamente conclusivos - apontam para os benefícios psicológicos do exercício físico.



"Quando sujeitos a paradigmas de stress, os roedores [animais utilizados na investigação] reproduziram modelos depressivos - semelhantes aos dos seres humanos -, que se caracterizam, fundamentalmente, pela apatia e diminuição da actividade, perda de interesse e eficácia intelectual e cognitiva", diz Óscar Gonçalves, professor catedrático de Neuropsicofisiologia da Universidade do Minho.



Após um programa de exercício físico voluntário, "verificou-se uma melhoria desses padrões", sublinha. Na perspectiva deste investigador, nos seres humanos, o exercício físico - entendido como um "fármaco natural" - pode atenuar os sintomas da depressão. "Embora seja difícil estabelecer um relação de causalidade, o exercício físico pode ser bom regulador dos processos emocionais e um coadjuvante no tratamento da ansiedade e da sintomatologia depressiva", completa. Paralelamente, são conhecidos outros efeitos "acessórios" do exercício físico: despoleta um estado de espírito mais positivo e aumenta a eficácia do funcionamento cognitivo e intelectual.



Na tentativa de encontrar respostas para estes fenómenos, a ciência, através de estudos animais, demonstrou que os benefícios do exercício físico se relacionam com os processos bioquímicos, responsáveis pelo estabelecimento de conexões entre os neurónios.



"O exercício físico induz uma maior plasticidade das células nervosas, dos neurónios e das células da glia [células de suporte que ajudam a alimentar os neurónios]. Assim, do ponto de vista cognitivo, a actividade física induz a comunicação entre as células nervosas e facilita a formação de novos neurónios (processo conhecido por neurogénese)", afirma Óscar Gonçalves.



A revista Newsweek, escrevia, na edição de 7 de Abril de 2007, que o processo neuroquímico é desencadeado pela contracção muscular. A cada contracção do bíceps, é activado o envio de uma proteína, designada de IGF-1, que percorre toda a corrente sanguínea até alcançar o cérebro. Chegada ao cérebro, esta substância assume o comando na produção de neutrotransmissores, nomeadamente do factor neurotrófico derivado do cérebro (BDNF, sigla do inglês). Esta molécula é responsável pelo sustento de várias actividades relacionadas com o intelecto.

Assim, o exercício físico regular proporciona um aumento dos níveis de BDNF, promovendo, simultaneamente, a produção de novos neurónios - embora em pequeno número na idade adulta - e o desenvolvimento de novas conexões entre as células nervosas.







Endorfinas: o "ópio" do corpo



As endorfinas - substâncias químicas libertadas durante o exercício físico - funcionam como "opiáceos" internos do organismo. Devido à falta de consenso científico, "não se pode confirmar se a sensação de euforia e bem-estar, que decorre do exercício físico, advém da libertação das endorfinas", diz Óscar Gonçalves. A oxigenação cerebral e, por conseguinte, uma maior nutrição dos tecidos é outra das eventuais explicações avançadas para justificar a regulação emocional que ocorre no período pós-exercício físico. Nesta matéria, existem alguns mitos que aliam a "dependência" do exercício físico à libertação de endorfinas.



Contudo, o especialista desmistifica esta teoria: "A dependência do exercício físico pode estar associada ao estado de conforto e bem-estar que se obtém no momento posterior ao esforço. Raramente um indivíduo relata sensações de euforia ou prazer durante uma actividade intensa."







O exercício da mente



O hipocampo é uma zona cerebral responsável pela aprendizagem e pela memória. O processo de oxigenação e vascularização, derivado do exercício físico, fomenta a formação de novas células e ajuda a reduzir os efeitos do cortisol. Esta substância, produzida pelo organismo, quando presente em doses moderadas, exerce uma acção imunitária. Mas, em excesso, perante uma situação de stress exacerbado, acaba por produzir efeitos tóxicos em diferentes zonas cerebrais. Segundo Óscar Gonçalves, o exercício físico, "como antagonista do cortisol, permite, também, contrariar a resposta aos ciclos do stress". Desta forma, assume-se como um antídoto do stress e da ansiedade.



Apesar do contributo do exercício físico na melhoria dos processos de aprendizagem e memória, o especialista sublinha que a melhor forma de "muscular" o cérebro e produzir uma maior eficiência mental é mantendo uma actividade intelectual regular. "A estimulação cognitiva é o elemento central da produção de novos neurónios e sinapses [conexões] entre os neurónios", considera o especialista, que avança com um exemplo: "O cérebro, à semelhança dos músculos [embora estes tenham uma maior plasticidade], necessita de estimulação para se manter em forma. Os neurónios, tal como os músculos, estão dependentes da activação constante."



Na perspectiva de Óscar Gonçalves, "Use it or loose it", à boa moda anglosaxónica, é o princípio que rege o funcionamento cerebral. A inactividade provoca, segundo o psicólogo, uma "atrofia das estruturas e, por conseguinte, uma diminuição da sua funcionalidade".







Fonte: Health & Wellness